Relatório afirma que uso de laptops por crianças não melhora rendimento educacional, apesar de ter um pequeno impacto na capacidade cognitiva. Para os autores, é preciso investir em instrução para que a tecnologia surta efeito
Um recente estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) afirma que a adoção de computadores portáteis por alunos no âmbito do programa One Laptop per Children (OLPC), apesar de melhorar a capacidade cognitiva das crianças, não gera ganhos educacionais significativos. É a primeira vez que uma pesquisa investiga os resultados educacionais da iniciativa.
De acordo com o documento, feito com base em dados coletados no Peru, país mais avançado na adoção dos computadores, é preciso investir em um projeto pedagógico no qual as máquinas sejam instrumento e não finalidade. “Nossa sugestão é combinar a disponibilidade de laptops com um modelo pedagógico voltado para o alcance de resultados pelos estudantes. Nossos resultados sugerem que computadores, por si só, ao menos os oferecidos pelo OLPC, não melhoram os resultados em áreas curriculares.”
O OLPC é um programa idealizado pelo professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT) Nicholas Negroponte. Ele consiste na doação de um laptop especial, o XO, leve e compacto, a alunos da rede de ensino. A ideia é que as máquinas ajudem as crianças a desenvolver suas capacidades e, assim, colaborem para melhorar o nível de ensino. Planejados para custar US$ 100, os laptops têm custado mais do que isso. No Peru, por exemplo, saiu por cerca de US$ 245. O Brasil chegou a anunciar a adoção do programa com o nome de “Um Computador por Aluno” (UCA), sob responsabilidade do Ministério da Educação. A iniciativa, no entanto, não decolou, apesar da compra de 2.600 unidades. No mundo, cerca de 2,5 milhões de XOs estão em uso em 40 países.
O estudo do IDB foi feito em 319 escolas públicas rurais do Peru, país mais avançado na adoção do OLPC – cerca de 900 mil máquinas foram adotadas em 500 colégios desde 2007. Na comparação entre 210 instituições com laptops há mais de 15 meses e as sem, as notas de matemática dos alunos usuários do XO foram apenas 4% superiores aos sem computadores. Em línguas, elas chegaram a ser 3% piores. Ou seja, o desempenho é pouco afetado pelas máquinas.
Causas
Os autores também investigaram as causas do baixo impacto. Segundo eles, os computadores não cumpriram várias das promessas a eles relacionados. Não aumentaram, por exemplo, o tempo que as crianças gastam com tarefas relacionadas às escolas. “Sugere-se que a introdução de computadores aumenta a motivação (com o ensino), mas nossos resultados sugerem o contrário”, escrevem.
Além disso, as máquinas, apesar de serem carregadas com mais de 200 livros, não influenciam os hábitos de leituras. Outra descoberta é que os laptops são mais usados com atividades de pouco efeito nos resultados educacionais, como processadores de textos, calculadoras, jogos e aplicativos de gravação de música e vídeo. “Isso pode ser explicado pela ausência de softwares diretamente ligados a matemática e línguas e à falta de instruções claras aos professores sobre como utilizar [as máquinas] para fins curriculares”, aponta o texto.
Apenas 30% das escolas receberam suporte pedagógico para o uso dos computadores, apesar de 71% dos mestres terem declarado que participaram de algum treinamento.
Repercussão
O documento gerou reações na OLPC Association, organização que gerencia as vendas do “um computador por aluno”. Para a entidade, é preciso analisar os dados com cautela e não generalizá-los.
“Em diversos países, vimos significativas melhorias no entusiasmo das crianças por aprendizado e um crescente otimismo pelo seu futuro”, afirma em blog (http://blog.laptop.org/2012/04/10/rodrigos-response-to-the-economist/) Rodrigo Arboleda, CEO da ONG. Ele ainda aponta como benefícios maior envolvimento dos pais com a educação dos filhos e aumento da motivação dos professores.
Arboleda lembra também que é preciso levar em conta o contexto da educação no Peru. Lá, muitas escolas não têm eletricidade e internet, e alguns professores precisam dar aulas a diferentes classes ao mesmo tempo. Além disso, a formação dos docentes em geral é fraca. Uma pesquisa feita em 2007 pelo governo peruano ilustra bem a situação: 62% dos professores do país não tinham capacidade de leitura equivalente ao esperado do Ensino Médio e apenas 5% das escolas eram conectadas à internet. “Dados estes desafios, milagres não acontecerão do dia para a noite. O progresso ocorrerá gradualmente ao longo de muitos anos”, analisa o presidente da ONG.
A mesma análise faz Oscar Becerra, ex-diretor de Tecnologias para Educação do Ministério da Educação peruano e um dos idealizadores do programa no país. “Um sistema educacional em má forma como o peruano precisará, em minha opinião, de 10 a 15 anos apenas para melhorar a qualidade de seus professores”, argumenta(https://edutechdebate.org/olpc-in-peru/oscar-becerra-on-olpc-perus-long-term-impact/). “Algo precisa ser feito nesse meio tempo. Achamos que dar às crianças acesso a uma tecnologia projetada como uma ferramenta para o aprendizado era dar um passo na direção certa. Não acredito que o tempo seja gasto com tecnologia, mas não é avaliando quanto mais matemática ou história as crianças aprenderam da forma tradicional que veremos o verdadeiro impacto.”
Nicholas Negroponte, idealizador do programa, busca ver o estudo com outros olhos. “Ele [o estudo] diz claramente: ‘estudantes demonstraram melhores capacidades cognitivas com o OLPC’”, escreve.
De fato, o relatório aponta benefícios do programa. Nos testes, os estudantes que usavam o OLPC apresentaram resultados de 9% a 13% superiores. “Quantitativamente, as diferenças são grandes”, ressaltam os autores. “Um cálculo rápido sugere que o impacto estimado na fluência verbal é de seis meses para as crianças”, exemplifica Pablo Ibarrarán, um dos responsáveis pelo estudo. Ele também destaca que o programa permitiu maior contato com tecnologias de informação e comunicação (TICs). O índice de posse de máquinas por aluno foi muito maior do que onde a iniciativa não chegou – 1,18 contra 0,12. A diferença demonstra que, sem programa, os alunos não teriam acesso à tecnologia.
Especialistas, no entanto, questionam a validade da adoção das máquinas no ensino de países em desenvolvimento e alertam para o impacto da constante evolução da tecnologia voltada para a educação. Se em 2005, quando foi lançada, a ideia de um laptop para cada criança parecia entregar o que havia de mais moderno no mundo da computação, hoje já se pensa na utilização de tablets e smartphones. “Pensando para frente, projetos de TICs para a educação precisam focar no alinhamento entre uma crescente gama de ferramentas, objetivos claros e metodologia de avaliação para garantir uma eficiência mensurável e considerar o custo-benefício da presença de medidas alternativas”,escreve. Amos Cruz, especialista em educação da Universidade de Maryland (EUA).
Data: 20 de abril de 2012
Autor: Marcelo Medeiros
Autor: Marcelo Medeiros
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